Segurança pública é muito mais que direito penal
Defrontamo-nos, cada vez mais, com estarrecedoras notícias envolvendo crimes e violências de toda espécie. E assistimos a sociedade, seja pelos poderes públicos, seja pelos seus vários seguimentos, discutirem erraticamente o tema, sem que se consiga chegar a uma proposta concreta e séria de solução ou, pelo menos, de mitigação do problema.
Neste contexto, sobrelevam os discursos de endurecimento da legislação penal, preconizando-se a supremacia absoluta da pena de prisão e a aplicação de sanções mais rígidas e mais longas. É uma maneira dita policial de ver o problema.
Na verdade, entender segurança pública apenas sob a ótica do Direito Penal (e suas instâncias oficiais de aplicação: Polícias, Ministério Público, Magistratura Criminal, sistema penitenciário) é reduzi-la à sua última conseqüência. Se num dado caso concreto tornou-se necessária a atuação de tais instituições e a aplicação das normais penais é porque antes fracassaram outras tantas instâncias sociais.
Em oportuno e lúcido artigo publicado na edição de 01 de agosto de 2008 da Folha de São Paulo, o Cardeal primaz do Brasil, Dom Geraldo Majella Agnelo anotou:
“A violência nasce da desesperança, dos caminhos fechados, da falta de oportunidades para crescer e construir uma vida digna a partir do estudo, do aprendizado de uma profissão, da disciplina e do sacrifício para conseguir constituir uma família, ter uma casa para abrigá-la, gerar filhos, podendo educá-los. A raiz da violência, que é mais difícil de ser reconhecida, está no modo de tratar o outro a partir do próprio interesse, sem considerá-lo na sua realidade pessoal, sem respeitá-lo na sua dignidade própria. A raiz da violência consiste em não amar o destino do outro, não se interessar pelo bem dele, dando sempre a precedência ao próprio interesse, à própria conveniência e vantagem”.
E a Doutrina Espírita nos lembra que os autores da violência são espíritos imortais, que trazem a necessidade de difíceis vivências que, corretamente enfrentadas, serão muito úteis ao seu aprendizado evolutivo; e, dentre eles, não poucos estão gozando das últimas oportunidades de encarnarem num mundo de expiações e provas, antes que a Terra – mercê dos esforços de seus habitantes – converta-se num mundo de regeneração.
Portanto, se as instituições sociais – públicas ou privadas – não oferecerem boas condições de criação e educação a estes espíritos, mais facilmente eles enveredarão, no exercício do livre arbítrio, para atos de violência e desamor. E aí, encarcerá-los quiçá venha a ser medida necessária para que eles não se percam ainda mais pelos escaninhos do ódio e do desrespeito ao próximo, mas que não se imagine que deste modo será possível educá-los ou fazê-los bem aproveitar a encarnação. E ainda mais: que não se alimentem ilusões de assim se buscar solução para o problema da violência.
O flagelo da violência só se resolve com a efetiva execução de políticas públicas e sociais calcadas no respeito ao ser humano, que lhe garanta bem desenvolver suas potencialidades de Espírito em aprendizado.
Assim, numa perspectiva espírita, a pena de prisão é, a um tempo, mero reflexo da condição moral ainda baixa de significativa parcela dos habitantes do planeta (com os quais estamos todos ainda comprometidos, de um ou outro modo) e, a outro, conseqüência das estruturas sociais e econômicas injustas e assimétricas que caracterizam os espaços de convívio num mundo dominado pelos interesses materiais.
Há muito mais a se falar sobre o tema e a ele certamente voltaremos em outras ocasiões. Por ora, consignamos o convite a cada leitor, associado da AJE e profissional do Direito espírita, para que reflita intimamente acerca do convívio entre suas convicções espíritas e as exigências por mais e mais prisão. E, depois, que faça de seu exercício profissional uma natural decorrência de tais reflexões.
São Paulo, agosto/2008.
Associação Jurídico-Espírita do Estado de São Paulo