“Somente o progresso moral pode assegurar aos homens a felicidade na Terra, refreando as paixões más; somente esse progresso pode fazer que entre os homens reinem a concórdia, a paz, a fraternidade.” (Kardec, A Gênese, cap. XVIII, item 19).
A Terra deixará de ser um planeta de expiações e provas e se transformará num planeta de regeneração, no qual o bem começará a sobrepor-se ao mal. Tendo como paradigma o padrão moral de seus habitantes, o Professor Allan Kardec elaborou didática classificação dos planetas (“O Evangelho Segundo o Espiritismo, cap. III, item 4) e, desde então, ouve-se com freqüência, nos estudos e textos espíritas, a idéia que nossa transição de grau está por se efetivar, num misto de desejo, expectativa e má compreensão do processo evolutivo.
De fato, a evolução do planeta se fará e isto é fato incontestável. No entanto, não o será por simples automatismo divino ou pelo singelo decurso do tempo. Aos Espíritos nele encarnados cabe a tarefa de construir as bases que permitam ao bem superar o mal. A Terra será um planeta melhor quando aqui não mais encarnarem Espíritos ainda necessitados de reajustes violentos e doloridos.
Reflitamos: ninguém passa por uma experiência de sofrimento por acaso. Logo, alguém que, por exemplo, seja vítima de um roubo e nele receba um tiro, estará submetido a esta dolorosa e grave situação por ser de seu merecimento e de sua necessidade. Ora, alguém que esteja nesta situação, não haverá de renascer, por exemplo, em Estocolmo, mas, sim, no Rio de Janeiro, porque em nossa maravilhosa capital fluminense ele estará muito mais sujeito àquela ocorrência que do que na capital da Suécia. E por que isto? Porque no Rio de Janeiro há um substancial contingente de Espíritos encarnados que ainda se dispõe a empunhar uma arma de fogo e eliminar um semelhante para dele tomar um relógio ou um aparelho de telefonia celular. Mas por que estes Espíritos encarnam mais na cidade brasileira que na cidade sueca? E aí vem o ponto fulcral da discussão: porque aqui as estruturas sociais, políticas e econômicas propiciam mais facilmente que aqueles Espíritos ainda ignorantes da Lei Divina livremente manifestem suas más inclinações (as cidades mencionadas, evidentemente, são meros exemplos para boa compreensão da idéia desenvolvida; poderíamos substituí-las, sem prejuízo do entendimento, por Tóquio e São Paulo ou tantas outras).
Cremos, os espíritas, naquele maravilhoso Deus causalista descrito na resposta à primeira pergunta de “O Livro dos Espíritos”. Portanto, se é aquele o nosso Deus, força é convir que o acaso não existe.
Então, se um dado espaço social da Terra oferece condições para o emprego da violência nas relações humanas, aí encarnarão, simultaneamente, Espíritos que ainda se dispõem a matar o semelhante e Espíritos que, mercê de seus erros do passado, ainda precisam se submeter, como vítimas, a situações de violência, necessárias ao seu processo de resgate e reeducação.
Todavia, quando as condições objetivas da sociedade não mais propiciarem a violência fácil e o desprezo pelo semelhante, aqueles Espíritos violentos não mais encarnarão ali, mas em outros países ou, quiçá, já em outros planetas. E, quando neste planeta não houver nem mais um rincão onde aqueles Espíritos encontrariam guarida para suas maldades, a Terra terá se tornado um mundo de regeneração.
Pois bem. Os profissionais do Direito, porque grandemente responsáveis pela construção e funcionamento das instituições públicas, notadamente as de aplicação da Justiça, têm grande papel a exercer neste processo de aprimoramento do mundo. É preciso construir relações humanas baseadas no respeito e na paz, no entendimento e na tolerância, rejeitando manifestações de violência e de desprezo por direitos humanos consagrados; é preciso construir agências estatais que atuem de modo a igualmente contribuir para aquela sociedade fraterna e pacífica. Enfim, é preciso eliminar as condições que ainda permitem que por aqui encarnem Espíritos voltados ao mal, do mesmo modo como se investe no saneamento básico para se eliminar a doença infecto-contagiosa.
Por outro lado, que ninguém imagine que no exemplo acima utilizado se esteja dizendo que na capital sueca os Espíritos são perfeitos ou mais evoluídos. Trazem, na alma, outras mazelas – talvez, por exemplo, uma grande insensibilidade diante do sofrimento alheio – ou simplesmente nesta encarnação não trouxeram à personalidade atual a propensão ao emprego da violência física. Mas defeitos todos temos, escandinavos ou brasileiros, asiáticos ou sul-americanos, porque é uma característica dos Espíritos ligados ao planeta de expiações e provas e não a um ou outro povo em especial.
Por fim, diante destas considerações, é preciso que nos perguntemos, nós que temos esta compreensão espiritual da realidade social e somos profissionais do Direito, o quanto nossa atuação profissional tem contribuído para a construção de espaços de convívio respeitosos e amorosos, pautados por valores evangélicos. Estamos contribuindo para desarmar as pessoas (física, emocional e espiritualmente)? Estamos operando nas agências estatais efetiva ação em favor do bem comum ou apenas a serviço de interesses corporativos? Estamos lutando pela aplicação da lei em favor dos superiores ideais de justiça e equidade ou apenas em favor de nossos interesses pessoais ou dos nossos clientes? Assumamos nossa responsabilidade, porque a quem muito foi dado, muito será pedido!
São Paulo, agosto/2008.
Associação Jurídico-Espírita do Estado de São Paulo