Por Eduardo F. Valerio
Um dos brasileiros que marcou a segunda metade do século XX foi, sem dúvida, o arcebispo de Olinda e Recife, Dom Hélder Câmara. Homem corajoso e lúcido, soube enfrentar serenamente o arbítrio da ditadura militar e as misérias, físicas e morais, das populações em que atuava. Foi um exemplo de sacerdote católico que soube lutar pela justiça.
Aos profissionais do Direito espíritas, Dom Hélder oferece dois exemplos, que devem ensejar profundas reflexões: a) não são apenas os profissionais do Direito que lutam pela justiça; b) há líderes religiosos, que não espíritas, ensinando e vivendo o bem e a prática da caridade cristã.
Talvez muitos já estejamos convencidos destas duas assertivas, mas nunca é demais lembrá-las, como reforço para nossa necessária humildade e incentivo para o combate contra nossa arrogância.
Como profissionais do Direito, é preciso aprender com o querido sacerdote que nossa meta de atuação profissional deve ser sempre a justiça. Ouvir a consciência e o coração para identificar, em cada processo ou cada causa, a justa medida, de sorte que cada um receba o que é seu; cuidar para que a pena não perca seu caráter educativo e jamais esquecer que os fins absolutamente não justificam os meios.
Que tenhamos esta constante preocupação: a de avaliar, dia-a-dia, nosso exercício profissional, para direcioná-lo sempre em favor da justiça e, nunca, em favor de nossos próprios interesses pessoais, sejam estes decorrentes de mera vaidade, sejam derivados da legítima necessidade de remuneração.
Por outro lado, como espíritas, estejamos atentos para não alimentar a singela arrogância de achar que apenas o espírita tem compromisso com o bem e com a caridade. Quantos que se dizem ateus mantêm sentimentos e condutas muito mais cristãs que muitos oradores e dirigentes espíritas! E o exemplo, mais uma vez, de Dom Hélder está a nos lembrar que muitos sacerdotes católicos – ou pastores, rabinos, pais-de-santo – valem-se de sua atuação religiosa para lutar o bom combate, buscando o justo e a virtude.
Tão grande era a sinceridade íntima e a honestidade de Dom Hélder que, depois de desencarnado, volta para ensinar amor e justiça às pessoas. Os espíritas ganharam, há alguns meses, interessante obra mediúnica de sua autoria, na qual, a par de reiterar, com a simplicidade dos sábios, aqueles velhos temas que sempre o preocuparam, permitiram-lhe reafirmar sua crença na doutrina católica e seu profundo respeito e amor pela Igreja. Embora reconhecendo, com alguma perplexidade, mas de modo inquestionável, a possibilidade do contato mediúnico, reafirmou sua esperança num mundo mais justo e mais fraterno.
Vale a leitura: “Novas Utopias”, pelo médium Carlos Pereira, Editora “Luminus – Iluminando Corações”, Belo Horizonte, 2007.
No capítulo 33, o autor traz interessante crônica sobre a conquista da paz, tema do grande evento com o qual a AJE São Paulo pretende encerrar suas atividades de 2008, em dezembro próximo. Lembra ele que “a paz no mundo, sabe-se, depende exclusivamente da paz interior de cada homem” e que “viver em paz requer, antes de tudo, um desapego de si e um encontro com o irmão”. E mais adiante, destaca: “quem ama, ao pensar em si, não pensa em exclusividade, pensa, por amor, em incluir o próximo naquilo que deseja para si. Ora, se deseja o bem para si, deseja também o bem para o próximo”.
Destaca, portanto, a necessidade de encararmos a paz como uma relação, ao mesmo tempo, de mergulho interior e de compromisso com o próximo. Chama-nos a uma atitude, no sentido de mudarmos nossos estados mentais para que sentimentos e ações tornem-se pacíficos, isto, destinados ao bem do próximo.
Sua advertência, neste sentido, é eloqüente: “…a construção de sua paz interior que é construída mediante o esforço constante de autodomínio. Precisamos nos controlar mais para não encolerizarmos, não perdermos a paciência com qualquer coisa, em refrear impulsos malévolos que todos ainda possuímos, em se vigiar para não querer invadir o espaço do outro. Se respeitarmos o outro imediatamente evitaremos a possibilidade do conflito. A paz se constrói num ambiente de disciplina e na busca da reciprocidade dos sentimentos, porque quando desejamos o bem a alguém, a tendência natural é o outro responder na mesma moeda e aí já criamos, espontaneamente, uma ambiência pacífica”.
Enfim, lutar pela paz nada mais é que lutar pela justiça; e, ao mesmo tempo, não há como lutar pela justiça sem que sejamos pacíficos.
Então, profissionais do Direito espíritas: tornemo-nos pacíficos para que possamos lutar por justiça. Tomemos uma atitude pela paz!
São Paulo, outubro/2008
Associação Jurídico-Espírita do Estado de São Paulo