Abordagem jurídico-espírita do tema “Redução da Maioridade Penal”

AJE-SP – ASSOCIAÇÃO JURÍDICO-ESPÍRITA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Abordagem jurídico-espírita do tema “Redução da Maioridade Penal”

Conclusões extraídas das discussões realizadas nos Núcleos de Campinas, São José do Rio Preto, São José dos Campos e São Paulo (Capital), durante os meses de junho, julho e agosto de 2014, e submetidas à apreciação e discussão dos associados da AJE-SP por meio eletrônico durante o mês de setembro de 2014*.

  • A proposta da Doutrina Espírita para o homem no mundo é de sua emancipação e de sua afinidade com a Lei Natural por meio da educação.
  • A evolução espiritual, a partir da educação integral, assegura a possibilidade, por parte de quem sabe – por conhecimento adquirido –, de distinguir o bem do mal e, por isso mesmo, consegue livremente optar por aquele em detrimento deste.
  • As normas penais humanas, conquanto necessárias no atual estágio evolutivo da humanidade, não contribuem para a educação dos homens, já que se prestam apenas à contenção e, não, à livre e consciente opção de condutas.
  • O esforço de aproximação da legislação humana da lei divina deve privilegiar a ampliação e, nunca, a restrição de direitos individuais, com a correspondente fixação consciente de obrigações individuais voltadas à construção de uma sociedade justa e fraterna, como obra coletiva.
  • A pretendida redução da idade de imputabilidade penal atualmente estabelecida pela legislação brasileira ampliaria a incidência do Direito Penal e, portanto, não contribuiria para o progresso intelectual, moral e espiritual da sociedade.
  • O aliciamento de adolescentes, por imputáveis, para a prática de crimes não deve ser enfrentado pela singela redução da maioridade penal, já que tende a ensejar a utilização de jovens de idade cada vez menor nas atividades ilícitas.
  • O sistema carcerário brasileiro, já saturado e marcado por constantes e graves violações aos direitos humanos, não se constitui em alternativa civilizada para o enfrentamento da criminalidade juvenil. O encarceramento, num mesmo espaço físico, de pessoas com dezesseis anos convivendo com adultos já formados ensejaria, além dos abusos psicológicos, também abusos físicos.
  • A aferição da capacidade penal e consequente definição da imputabilidade caso a caso, a partir de perícia psicológica, geraria profunda instabilidade jurídica por sua intensa e inevitável subjetividade.
  • Conquanto a cada encarnação o amadurecimento biológico e fisiológico do cérebro humano ocorra por volta dos 25 anos de idade, a fixação do patamar etário para a imputabilidade penal decorre de critérios exclusivos de política criminal, derivados das conveniências sociais, históricas, políticas e institucionais de cada Estado.
  • Adolescentes autores de infração penal são punidos de acordo com a sistemática própria aplicável àquelas pessoas em condição peculiar de desenvolvimento; o Direito brasileiro contempla, em seus vários ramos, diversas medidas punitivas diversas da pena criminal; esta deve ser medida excepcional, porque drástica e limitadora de direitos fundamentais essenciais ao ser humano, especialmente a liberdade.
  • O sistema socioeducativo previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente para adolescentes autores de atos infracionais, SINASE, necessita de aperfeiçoamento – equipes multidisciplinares motivadas, projeto pedagógico, equipamentos e instalações adequadas – para que se preste à efetiva atividade educativa e assistencial em prol dos adolescentes, em atenção à sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.
  • O aumento do atual prazo de três anos de internação de adolescentes autores de atos infracionais para além da maioridade pode eventualmente contribuir para ampliar a contenção de Espíritos que se voltem à prática de crimes praticados com violência ou grave ameaça contra a pessoa, desde que mantida a natureza de medida socioeducativa na restrição à liberdade.
  • A criminalidade precisa ser enfrentada por outros meios de controle social, alternativos à pena criminal, seja pelo fortalecimento de vínculos comunitários e familiares, seja pela adoção de mecanismos de conciliação, a exemplo da justiça restaurativa.
  • Um Espírito imortal que reencarne num ambiente que lhe acarrete crescentes dificuldades e desafios – como, por exemplo, nas periferias das cidades brasileiras – deve encontrar, numa sociedade inspirada por valores cristãos e humanistas, condições de acolhimento que lhe garantam pleno acesso a serviços públicos de qualidade e garantia privilegiada de fruição dos direitos fundamentais e sociais previstos na Constituição Federal.
  • Uma sociedade que pretenda a evolução intelectual, moral e espiritual de seus integrantes deve conformar seu sistema educacional – universal, gratuito e laico – à formação de personalidades baseadas em valores morais, especialmente a solidariedade, e na visão crítica da realidade, voltadas à ação social transformadora em favor da justiça e, não, voltada utilitariamente aos interesses materialistas.
    Uma sociedade que pretenda a evolução intelectual, moral e espiritual de seus integrantes deve dimensionar a posse e o consumo de bens materiais à exata necessidade de um Espírito imortal circunstancialmente encarnado, superando modelos econômicos que estimulam o consumismo e a aparência baseada na posse de riquezas materiais.
  • Os adolescentes usuários de drogas – lícitas ou ilícitas – devem ser sujeitos de tratamento e não objetos de repressão e punição. O poder público deve oferecer tratamento adequado aos dependentes químicos na rede pública de saúde, com disponibilidade de vagas para tratamento psicossocial e internação voluntária por recomendação médica.
  • O poder público e a sociedade civil devem manter amplo projeto de prevenção ao uso de drogas, lícitas ou ilícitas, inclusive com total proibição a qualquer forma de publicidade.
  • Uma sociedade que pretenda a evolução moral e espiritual de seus integrantes deve dimensionar seu mercado de trabalho de modo a substituir a ambição desmedida e a ganância crescente por lucros pelos valores do convívio sócio- familiar, enfrentando-se a precarização do trabalho e privilegiando-se as iniciativas educacionais e assistenciais de fortalecimento das famílias, quaisquer que sejam seus arranjos afetivos.
  • Uma sociedade que pretenda a evolução intelectual, moral e espiritual de seus integrantes deve garantir o acesso universal e democrático à cultura e à informação, assegurando a plena democratização dos meios de comunicação de massa.
  • Uma sociedade que pretenda a evolução intelectual, moral e espiritual de seus integrantes deve garantir igualdade material entre todos no acesso a bens e direitos, assegurando a aplicação de medidas de ação afirmativa que corrijam assimetrias decorrentes de distorções históricas, sociais, políticas ou econômicas.
  • Qualquer medida jurídica destinada a crianças e adolescentes deve levar em conta o princípio da proteção integral, conquista do Direito brasileiro consagrada na Constituição Federal de 1988, que contribui poderosamente para aproximar, neste tema, a lei humana da lei divina ou natural.
  • De acordo com a Doutrina Espírita, a cura de doenças só se consegue quando se ataca a causa situada na alma; do mesmo modo, também um problema social e espiritual, como a criminalidade de adolescentes, deve ser enfrentado buscando-se sua causa: o desrespeito à dignidade da pessoa na ordem social, isto é, garantindo-se os direitos sociais previstos no artigo 6º da Constituição Federal, com qualidade e a todas as pessoas.

Diante do exposto, a Associação Jurídico-Espírita do Estado de São Paulo (AJE-SP) entende que o atual patamar etário de inimputabilidade penal previsto na legislação brasileira – 18 anos – deve ser mantido.

São Paulo, setembro de 2014.

AJE-SP – Associação Jurídico-Espírita do Estado de São Paulo

 

ANEXO I
Projetos de Lei em tramitação sobre o assunto no Congresso Nacional

  • PEC 20/1999: Reduz para 16 anos a idade para imputabilidade penal em todos os casos de crimes hediondos. Autor: José Roberto Arruda (ex-senador).
  • PEC 90/2003: Reduz a 13 anos a idade para imputabilidade penal em caso de crimes hediondos. Autor: Magno Malta (PR-ES).
  • PEC 74/2011: Reduz a 15 anos a maioridade penal em caso de homicídio doloso e latrocínio tentado ou consumado. Autor: Acir Gurgacz (PDT-RO).
  • PEC 83/2011: Reduz a 16 anos a maioridade penal, tornando também obrigatório o voto para pessoas da mesma idade. Autor: Clésio Andrade (PMDB-MG).
  • PEC 21/2013: Reduz a 15 anos a idade para imputabilidade penal em caso de crimes hediondos. Autor: Álvaro Dias (PSDB-PR).
  • PEC 33/2012: Reduz a 16 anos a idade para imputabilidade penal em caso de crime hediondo e reincidência em casos pedidos por Promotor de Justiça e autorizados pela Justiça. Autor: Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP).
  • A PEC 74/2011 é a que oferece menor prejuízo à sociedade por ser a menos abrangente, pois apontas tipos penais específicos e direcionados contra a vida, excluindo crimes sexuais e relacionados ao tráfico de drogas.
  • Aquela com maior possibilidade de aprovação, ao que parece, é a PEC 33/2012. Todavia é a mais prejudicial por ser a mais abrangente e por conter uma cláusula em branco que confere ao Ministério Público e ao Poder Judiciário, respectivamente, a proposição e a decisão, caso a caso, da responsabilidade penal do adolescente.
  • Sustenta-se, ademais, que a eventual mudança não poderia ser feita por emenda constitucional nem, muito menos, por lei ordinária, já que aquele patamar etário de imputabilidade penal constituir-se-ia em cláusula pétrea, só passível de mudança pelo Poder Constituinte originário.

ANEXO II
Alguns dados do sistema carcerário

  • Segundo o DEPEN (Departamento Penitenciário Nacional), o perfil do criminoso médio no Estado de São Paulo nos anos 2000 é de homem pobre, sem formação cultural (com ensino fundamental incompleto) e vivendo nas periferias das grandes cidades. Esse criminoso padrão é responsável por 75% da população carcerária masculina e 65% da feminina.
  • Segundo dados do mesmo DEPEN, houve aumento expressivo no encarceramento de pessoas em prisões e hospitais penitenciários nos últimos anos:
  • 2010: 417.000
  • 2011: 496.000
  • 2012: 514.000
  • 2013: 549.000

Os dados demonstram que, mesmo com as penas cada vez mais severas e com lapso temporal para cumprimento mais longo (a nova Lei de Drogas e a nova disciplina de progressão de regimes prisionais), o número de prisões têm aumentado, sugerindo que regime prisional mais rigoroso e penas mais longas não reduzem, por si só, a ocorrência de crimes.

ANEXO III
Religiosidade na legislação brasileira

O ordenamento jurídico brasileiro prevê hipóteses, sem ofensa à laicidade do Estado, do sentimento de religiosidade como instrumento de garantia de pacificação de relações pessoais e sociais, ao lado da educação:

  • Constituição Federal: Art. 5º, Inciso VII; art. 210, §1º;
  • Estatuto da Criança e do Adolescente: Art. 16, inciso III; art. 17; art. 94, inciso XII; art. 124, inciso XIV;
  • Estatuto do Idoso: Art. 10, inciso III; art. 50, inciso X;
  • Lei da Execução Penal: art. 11, inciso VI; art. 24; art. 41, inciso VII.

Observação importante

Estas conclusões não expressam o entendimento unânime de todos os participantes da AJE-SP, mas, sim, as conclusões consensuais extraídas das discussões presenciais e eletrônicas. As conclusões dos Núcleos, expressando inclusive opiniões divergentes a estas conclusões, estão acessíveis no sítio eletrônico da entidade, no endereço www.ajesaopaulo.com.br